Autismo: uma abordagem psicoterápica

 

Ser Psicanalista Hoje

Ano 32, n. 23, 2010

Autismo: uma abordagem psicoterápica

Sonia Caldas Serra
“Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.” (Clarice Lispector)
Minha intenção, ao escrever este artigo, é mostrar aos psicoterapeutas, que têm fundamentado seu trabalho numa abordagem psicanalítica, o quanto se pode fazer em favor dos autistas, suavizando o grande sofrimento e a solidão em que se encontram.
Ao tratar do autista, situo-me num mundo longínquo no qual cada passo é uma batalha, sendo certo que cada progresso decorre de vitorioso combate. É importante continuar avançando nessa batalha sem sucumbir à dor surda e solitária, sem perder a esperança de ajudá-los.
A ideia aqui é de concentrar-me na abordagem psicoterápica com suas diferentes técnicas no atendimento ao autista, com o intuito de atrair a atenção de jovens psicanalistas e a de despertar o interesse no propósito da necessária ajuda.
Muitas práticas e doutrinas se confrontam em torno do autismo, o que torna importante delinear um panorama geral com relação às diferentes abordagens psicoterápicas, sem a pretensão de abranger todas as orientações e técnicas utilizáveis nos respectivos atendimentos.
O sofrimento do autista, e dos seus familiares, nos coloca diante de questões sobre a necessidade de serem criados dispositivos psicoterápicos para atendê-los.
Muitas vezes o psicoterapeuta acredita que o autista está menos defendido porque ele conseguiu “atravessar” a carapaça que o protege. Ele tenta, então, estabelecer um primeiro contato, mas percebe que o autista estacionou na ausência de qualquer desenvolvimento.
Por isso, o psicoterapeuta se sente rejeitado e esvaziado, ressurgindo o autista, trancado silenciosamente em sua fortaleza impenetrável, resistência que dá ao psicoterapeuta a sensação de que sua presença se põe como prejudicial ao autista.
As diferentes formas de explicarmos o autismo, por meio da neurociência ou da psicanálise, sempre mostrarão os diversos aspectos do fenômeno autista. As características estão ligadas aos genes, porém a forma da sua expressão estará determinada pela relação mãe-bebê, não esquecido de que os diferentes momentos do desenvolvimento em que a criança se encontrava trazem, como consequência, as múltiplas expressões do autismo.
O número de autistas cresce, exigindo questionamentos maduros em torno do quadro, entendido este como psicopatológico ou como sindrômico, a se indagar se a atual sociedade produz autistas,  questão complexa a ser futuramente debatida em outro trabalho.
É importante, portanto, que sejam focalizadas as questões que surgem na clínica com os autistas, não esquecendo a ética envolvida, entendendo-se sobre esta o modo de se falar e o de escutar o autista, respeitando-se a sua maneira de estar no mundo. Há de ser a ética, que aponta na direção do surgimento do ser humano sustentado pela presença do outro, a que permite a manifestação da singularidade do autista.
O psicanalista tem o dever de compreender e ajudar o autista a estabelecer ligações com o mundo que o cerca, não se esquecendo jamais de que, quanto mais comprometido, maiores serão os desafios da clínica psicanalítica e as exigências com relação à ética.
Em estudos anteriores sobre o tema da psicoterapia com o autista percebemos duas vertentes no que diz respeito à posição do psicoterapeuta. Na primeira, o psicoterapeuta se coloca na posição do nada fazer, não percebendo o que o autista deseja comunicar e, por isso, se sente rejeitado em face do que este contato provoca. Na outra, o psicanalista apresenta uma atitude onipotente frente ao autista, como se este entendesse tudo o que lhe é ofertado.
Por serem diferentes as orientações psicoterápicas sobre a matéria aqui enfocada, valem as ponderações dos autores que se preocuparam com o estudo do autismo, como adiante será abordado.

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