Sonia Caldas Serra
Boa noite, agradeço o convite dos organizadores do IV Festival Assim Vivemos e obrigado pela presença de todos.
Minha vida profissional de psicóloga e formação Psicanalítica pelo Circulo Psicanalítico do Rio de Janeiro, me ensinou a ouvir buscado compreender os conflitos dos clientes com intuito de melhor ajudá-los.
Convencida de que sou boa ouvinte e convencida que não sou boa expositora, peço licença para ler o texto.
Vou começar por um conto indiano:
“Imaginemos uma aldeia composta de 7 cegos e do acompanhante destes. Um dia todos ouvem uma grande confusão nas imediações. Os cegos insistem com o guia os levem ao encontro do tumultuo.
Era um grande elefante.
O primeiro cego toca na presa de marfim do elefante e diz: “Cuidado, é uma arma de guerra, um sabre!”
O segundo cego toca no rabo e diz: “Nada disso, é um objeto útil ao trabalho, uma corda!”
O terceiro cego toca numa orelha e diz: “Acalme-se, é só um abanador!”
Não é nada disso diz o quarto cego que esbarrou no flanco do elefante “Eles estão nos prendendo, é um muro!”
O quinto cego que acabara de tocar na tromba do elefante diz: “Vocês estão todos perdidos é uma serpente enorme; ela se enroscou n o meu braço”.
O Sexto cego que acabara de tocar numa pata, pois-se a rir: “Vocês estão todos errados isto é uma árvore; estou sentindo o tronco, acabo de envolvê-la com os braços!”
Vocês não entendem nada diz o sétimo cego: “é uma terra boa, quente e úmida” – ele acabará de cair em um dos enormes excrementos do elefante.
Todos os sete cegos pararam embasbacado e perguntaram ao acompanhante: “O que esta acontecendo estamos ficando loucos? “
Mas o guia não lhe respondeu…. pois era mudo.
As pesquisas atuais sobre o autismo estão hoje na situação desses “cegos” cada um dá seu veredicto, simplesmente esquecendo a totalidade do que estamos exatamente lidando: O Autismo
Utilizando o conto como metáfora com relação a tantas pesquisas de tantos diferentes ramos do saber que serão citadas, assinalo que a cegueira coletiva mencionada, é, repito, metafórica, jamais segregadora contra os que realmente não enxergam até porque a sabedoria indiana e a minha ética enquanto profissional a tal não permitiria.
Quando a pesquisa cientifica é vacilante cada pesquisador oferece a sua versão. Assim se dá com o Autismo repleto de perguntar e repleto de incertezas sobretudo quanto a sua etiologia. Estas incertezas que a todos preocupam quando se sabe que os autistas representam 0,66% da população mundial. Em termo de Brasil há cerca de 1,5 milhão de autistas. Esse número tão elevado justifica a preocupação com a falta de certezas quanto as pesquisas sobre o autismo.
Para facilitar e enriquecer nosso debate posterior, vou fazer uma pequena exposição de como a ciência define o autismo, o que vai ajudar na compreensão e discussão desse excelente documentário – Somos todos Daniel do diretor Jessé Heffring, que foi produzido na escola Summit School Foundation, Canadá.
Vou tentar dar uma visão panorâmica, e tão sucinta quanto possível, sobre o autismo o que não pode ser pensado como uma etiologia especifica e única. O autismo que hoje é classificado como distúrbio Global do Desenvolvimento, é de tal forma complexo e tornado impossível possa ser ele explicado por uma única abordagem seja ela psicológica, orgânica ou genética.
Vamos tentar pensá-la através de duas vertentes no qual a primeira delas seria organogenica que entende o autismo como decorrente de uma doença neurológica geneticamente adquirida. (Vocês devem lembrar que o diretor ao entrevistar a mãe de Daniel deu conta de que ela tinha dois irmãos autistas.) Prosseguindo então o autismo seria decorrente de problemas acontecidos antes, durante ou após a vinda da criança ao mundo, ou, melhor dizendo pré, peri ou pós natal. Como exemplo podemos citar rubéola, hemorragia da mãe nos três primeiros meses, anóxia, bilirrubina elevada, baixo apgar e etc. Estes são três ou quatro motivos de uma infinidade de outros que poderiam aqui ser citados.
A segunda visão quanto a etiologia do autismo seria a psicogênica, compartilhada com a maioria dos psicólogos e psicanalistas.
Em todo desenvolvimento infantil existe uma fase de autismo no qual o bebê dá uma enorme importância as sensações corporais, que serão responsáveis pelo sentimento do “eu” em torno do qual a subjetividade e identidade da criança se estabelecerá. Este autismo primário normal é útil no começo da vida da criança. Ele funciona como um circulo de proteção em volta dela, com intuito de protegê-la da consciência de proteção da mãe. O que acontece com a criança do autismo normal, para que esta fase não seja ultrapassada? Quando e porque poderíamos diagnosticar o autismo psicológico?
As teorias psicanalíticas levantam a hipótese de que se o autismo inicial normal, é catastroficamente perturbado, teríamos como conseqüência o autismo propriamente dito. Isso se deve ao momento no qual a criança ainda não teria desenvolvido os mecanismos neuromentais necessários para lidar com a tensão interna provocada pela mãe separada dela.
Concluo dizendo que segundo a visão psicogenica se a criança é traumaticamente perturbada quando seu Ego é insipiente; portanto não podendo lidar com a pressão ainda do meu externo, ela terá graves perturbações com relação ao seu desenvolvimento emocional
Vou mencionar algumas características sobre o autismo observando desde logo que não desejo expressar o que os autistas não tem, até porque o que importa é assinalar o que eles tem. Isto ressalvado, digo os principais elementos que caracterizam o autismo.
– Isolamento
– distúrbio da comunicação verbal e não verbal
– necessidade de imutatabilidade
– idade dos surgimento dos sintomas até 3 anos.
Vamos agora citar alguma características:
– Ao serem colocadas no colo da mãe, nele não se amoldam. Isso decorre do aumento do tônus muscular.
– Falta de fixação visual
– Pouco interesse pelo estímulos ambientais
– Diminuição da sensibilidade a dor física.
– Repetem frases ou palavras – ecolaia
– Balançam o próprio corpo num movimento ritmado
– Demonstram apegos a objetos que ao ser retirado protestam veementemente
– Demonstram interesse por objetos que giram
– Comportamento estereotipados.
E o Daniel do filme que acabamos de assistir, como seria? Ele apresenta alguma dessas características assinaladas?
No caso de Daniel, a mãe dele por experiência com os dois irmãos autistas, observou desde cedo qual algo diferente acontecia com ele. Ela assinala algumas características mensionada acima, quando ela fala por exemplo:
… que com dois a três anos eu percebi alguma coisa diferente com Daniel … (idade que se diagnostíca o autismo)
… ele ficava quieto num canto olhando para parede … (pouco interesse pelo estímulos ambientais)
… Ele ficava balançando o corpo (rocking, movimento repetitivo de balaceio do corpo)
Bom, vemos no filme o Daniel adolescente participando de uma peça na escola Summit interagindo no grupo apesar dce momentos em que vemos a sua frustração e raiva porque as coisas na estavam sendo fitas da forma que ensaiaram. Seja vista a agressividade quando soca a parede, na primeira vez parecendo não sentir dor, somente demonstrando isto posteriormente.
Na minha visão sobre Daniel encontro mais características de um autista de alto funcionamento, ou Asperger. Falando um pouco sobre algumas características que definiriam essa síndrome, poderíamos dizer:
– Elevada habilidade cognitiva
– QI normal até um pouco acima
– Funções de linguagem normais se comparadas a outras desordem do autismo (Daniel se comunica verbalmente)
– Prejuízo no relacionamento social
– Comportamento repetitivos ou perseverantes sobre um número limitado de interesses. (Daniel)
– Falta de habilidade de compreender as necessidades dos outros e responder apropriadamente.
– Comportamentos competitivos (ele se irrita quando o ensaio não é igual ao que ele tinha feito anteriormente)
– Perseveração sobre um tema: (Daniel gostava de musica, canta uma opereta emocionando a mãe).
Percebemos a facilidade com que ele aprende a coreográfica e o momento certo de atuar.
Os autistas com Asperger, conseguem aprender de forma impressionante tudo sobre seu objeto de interesse, aprender todas as ruas de um catalogo telefônico, fazer cálculos matemáticos complexo de cabeça, que para nós só seria possível com uma complexa máquina de calcular. Temos vários exemplo que poderiam ser citados, mas trago particularmente um caso recentemente publicado, que é de um garoto que ao fazer um vôo de helicóptero sobre Roma consegue reproduzir todas as ruas e monumentos visto do alto.
Enquanto adolescente a mãe assinala que ele é perfeccionista viciado em limpeza. O quarto dele tudo tem que esta no seu lugar e perfeitamente arrumado.
Vamos falar agora um pouco sobre as pesquisas sobre a genética com a intenção de abrirmos o nosso leque para comentário posteriores.
Falamos antes na entrevista com a mãe de Daniel, para lembrar que ela ali comentou que sabia lidar com o autismo pois tinha dois irmãos autistas. Esse comentário nos leva agora a abordagem sobre os aspectos genéticos do autismo.
As últimas pesquisas demonstram a identificação de pequenas alterações em vários genes que aumentariam a pré-disposição para o aparecimento do autismo.
Geneticistas e biólogos moleculares estão cada vez mais se aproximando dos segredos inscritos no DNA. Os cientistas ainda estão longe de decifrá-los completamente, mas já conhecem a força de diversos genes que dão origem a traços comportamentais.
Algumas pesquisas indicam que o autismo tem um componente genético, sem no entanto conseguir identificar os genes, e as mutações que possam estar relacionados a este complexo transtorno.
Pesquisadores publicaram no “Journal of Medicine” um artigo no qual identificaram uma alteração cromossômica que parece aumentar em 100 vezes a possibilidade de autismo infantil. Alteração do segmento do cromossomo 16 estaria presente em 1% dos pacientes com autismo.
Pesquisas recente, que vale a pena mencionar, foi elaborada a partir da retirada de células troco presentes no dente da criança autista “quando a criança perde um dente” transformada em neurônio. A finalidade desta pesquisa é verificar a existência problemas funcionais nos neurônios das pessoas com autismo. Outras correntes assinalam a presença do mercúrio nas vacinas dadas em bebês que seriam neuro-tóxicas, principalmente em bebê cujo o cérebro esta ainda em formação. Outra pesquisa foi realizada com relação a restrição da ingestão do gluten encontrada em alimentos como trigo, aveia, leite e seus derivados, observando uma melhoras no quadro de autismo. No centro de tratamento Pfeiffer nos Estados Unidos pesquisas comprovaram que 90% das crianças com autismo, apresentam aumento das taxas com relação aos níveis de cobre e zinco no sangue. O que levanta a hipótese de mal funcionamento das proteínas importantes no desenvolvimento das células cerebrais.
Com relação as probabilidades de se ter filhos autistas pesquisas no mostram que mesmo havendo um risco muito maior que a média há uma chance de 90 a 95% que não haja outro caso de autismo. Os casos de autismo que são de origem genética por causa de anomalia identificada como síndrome de X frágil, são poucas e constituem entre 3 a 5% das pessoas com autismo como se vê esta ocorrência não é muito freqüente como etiologia do autismo. Um dos pesquisadores que desenvolveu a estrutura do DNA fez uma curiosa pesquisa sobre os genes que predisporiam algumas pessoas a habilidade intelectuais elevadas, estes genes seriam os mesmos encontrados nas pessoas com autismo.
Esses genes como BRCA1 e BRCA2 entram em ação para corrigir danos causados durante a duplicação do DNA ou por uma ação do meio ambiente.
Em outros casos 5% dos autistas apresentam outras anomalias cromossomiais. A coincidência de autismo em gêmeos oscila entre 70 a 95% se for gêmeos monozigoticos enquanto 0% se forem dizigóticos. Entre irmãos o aparecimento de um segundo caso de autismo é de 3%.
As diversas patologias autistas são efeitos de um problema orgânico ou são efeitos de um processo inicial psicológico? Ninguém sabe ainda responder a esta questão. O fato importante a ser destacado e que todas as vertentes de estudos sobre o autismo concordam é que, quanto mais precoce for a intervenção melhor será o resultado alcançado com relação a melhor desenvolvimento neuropsicologico. Isto pode ser uma pista de que alteração da atividade e da anatomia do cérebro sejam secundárias e, possíveis a sua prevenção.
É importante mencionar a freqüência do aparecimento do autismo no mundo que é/era de 10 para cada 1500 pessoas que nascem (0,66%), três vezes mais freqüente do que a diabete juvenil. Pesquisas recentes demonstram que no Brasil tem cerca de 1 milhão de autistas e temos com eles nos preocupar. As últimas estatísticas feitas na Califórnia concluíram que houve um aumento de 300% da incidência do autismo nos últimos anos. Nas causas desse aumento deve ser incluído um maior conhecimento cientifico e portanto um melhor diagnóstico. Ou a sociedade atual esta fabricando autistas? As neuro-imagens mostram que a interação humana assim como as palavras da mãe modificam a estrutura do funcionamento cerebral. Isto levanta a questão da influencia materna com relação a uma das etiologias do autismo. A modificação do funcionamento cerebral através da psicoterapia foi constada através do registro de neuro-imagens efetuadas antes e após a intervenção psicoterápica.
Cada vez mais um maior número de pesquisa nos mostram que experiências afetivas e traumas repercutem na expressão dos genes. A Epigenética permite entender como a expressão genética é modulada por fatores externos. A corrente organicista observa que o cérebro de crianças com autismo, estudado através de neuro-imagens, registrado pela ressonância magnética nasce com o cérebro do tamanho normal. No entanto por volta dos 2 anos e meio, observa-se um aumento do cérebro. O que levou a alteração do tamanho do cérebro da criança autista? Quais ações do meio ambiente foram responsáveis pela alteração da expressão cerebral determinada geneticamente? Será que a interação inadequada entre mãe-bebê pode alterar a bioquímica cerebral? Poderíamos então levantar uma hipótese que caberia dentro da visão psicogenetica: interação da relação mãe-bebê modulando a expressão genética.
Ao pensarmos no autista, que gene foi ativado na falha ou falta de um relacionamento afetivo adequado, onde começou o autismo? Ele decorre de uma alteração genética? Ou a genética foi alterada como decorrente de privações ambientais?
Para corroborar esta hipótese a interação mãe-bebê modudando a expressão genética pesquisas demonstram que os recém nascidos são dotados da capacidade de reagir ao estresse logo após o parto e que estímulos ameaçadores conseguem estimular o gene CRH, responsável pelo medo. Pesquisadores da Universidade de Wisconsin apontam conseqüências biológicas concretas para o sentimento de abandono vivenciado por crianças que viviam em instituição de adoção. Como conseqüência de do sentimento do abandono e rejeição que estavam submetidas encontraram através de exames laboratoriais a falta de occitocina e vasopressina, que seriam neuro-hormonio responsáveis pelo estado de equilíbrio emocional. Teríamos aqui novamente a influencia do meio ambiente vivenciado como pouco afetivo e rejeitador influenciando o orgânico, hipótese que viria de encontro como uma das etiologia do autismo defendida pela corrente psicogenica.
Pesquisas da neurociência mostram que experiência de medo e estresse modificam o funcionamento do cérebro e que traumas intensos são gravados em micro estruturas cerebrais chamados centros do medo, dentre as quais a região da amigdala é a principal.
Atualmente um grande número de pesquisas mostram que experiências afetivas e traumas repercutem na expressão dos genes.
A epigenetica, que é uma nova área do estudo da genética, permite entender como a expressão genética é modulada por fatores externos. O estudo do papel do gene na personalidade e comportamento levam em conta as influencia afetivas mãe-bebê, as influencias ambientais e sociais que parecem exercer efeito no gene. Uma surpreendente descoberta mostra que exercícios físicos estimulam a variação da composição do gene neural. A descoberta vai de encontro a noção de que o meio influencia na composição dos nossos genes.
O Autismo trás questões delicadas que precisam ser abordadas com seriedade. Estamos atravessando um período no qual o autismo começa a ser estudado através de novos modelos, dentre eles a relação existente entre genética e meio ambiente. Melhor colocando; como o meio-ambiente pode influenciar não o conteúdo do genoma mas a expressão dele. O autismo suscita interrogações e questionamento não somente de psicanalistas mas também de geneticias e neurocientistas.
A mudez do guia dos cegos continua.
Conclusão
No final do século XX tivemos um grande avanço no que diz respeito a engenharia genética, a ressonância magnética, a tomografia e o raio laser. Com o surgimento de novas técnica no campo da medicina o ser humano pode viver mais e melhor. Não podemos esquecer pesquisas com núcleo das células embrionárias que permitem a clonagem de animais e de órgãos humanos com vistas ao transplante. As pesquisas intra-uterinas se desenvolveram informando as alterações genética como, por exemplo, a Síndrome de Down, má formação do feto, as anancefalias, que foram melhor diagnosticadas permitindo que a gravidez pudesse ser interrompida se a mãe assim o deseja-se. Cirurgias passaram a ser feitas no útero materno, no caso de cardiopatias, má formação óssea ou do tubo digestivo. No momento em que o autismo, apesar de tantos avanços da neurociências, não pode ser detectado no útero materno, uma grande certeza podemos ter nestas inúmeras perguntas com poucas respostas. O autismo só aparece com o surgimento da vida. Vida aqui definida com a primeira entrada de ar nos pulmões. Queríamos terminar dizendo: É importante que os autistas não sejam definidos pela deficiência que apresentam, é importante que sejam definidos pelo que não têm, mas sim pelo que eles têm e o que podemos fazer por eles, e como compreendê-los na sua subjetividade.
2009-08-07