A dor na criança autista

Sonia Caldas Serra
            As crianças autistas foram durante muitos anos, definidas por metáforas que circunscreveram o trabalho psicanalítico, teórico e clinico. Passaram a ser definidas como crianças caracterizadas pela ausência da fantasia, falta de desejo com relação à vida e sem subjetividade. Com freqüência, as crianças autistas são definidas, pelo déficit que apresentam e raramente pelo que elas tem ou possuem.
            Ao pensarmos no autismo infantil, concluímos, que estas crianças que não estabelecem relação com o meio que as cercam, trás como conseqüência, impedir que nos coloquemos no lugar delas e ajudá-las, enquanto psicanalistas.
            Outro aspecto que desperta atenção se refere a razão pela qual, essas crianças são tão insensíveis à dor física.
            Torna-se mais desconcertante se pensarmos que sentem pouco interesse pelo mundo que as cercam, dirigindo toda atenção a si mesma, podendo, portanto pensar, que seriam mais sensíveis o que vem do interior delas, incluindo a própria dor.
            Estas crianças que parecem estar tão alienadas do corpo tanto quanto do mundo exterior, nos leva a pensar em uma concentração no seu sistema defensivo, excluindo todos os outros estímulos quer eles venham do interior delas, quer eles venham do exterior.
            As crianças autistas nos parecem totalmente passivas, mas a resistência aos estímulos vindos do ambiente é muito grande. Sua energia é canalizada para uma única defesa, a de eliminar todo estímulo interno ou externo, a fim de evitar o impulso para agir, a partir destes. O mutismo poderia ser olhado, como uma grande defesa tanto quanto, à dor emocional. Podemos também pensar que qualquer intromissão externa parece ser muito mais perigosa para estas crianças, do que algo que venha delas próprias, como por exemplo a dor física.
            Outra forma de pensar a respeito das crianças autistas, no que diz respeito à não sentir dor, seria que o medo de senti-la é tão grande, que gera uma enorme força para não senti-la. Existe, pois, a possibilidades delas serem muito mais sensíveis a dor de qualquer tipo, do que as crianças ditas normais e, como conseqüência, terem construído defesas muito forte contra ela.
            Podemos ainda pensar que as crianças autistas podem desinvestir definitivamente o mundo externo e quase todo o seu corpo, tendo como conseqüência uma não reação ao que vêem, ouvem ou sentem.
            Para algumas correntes psicanalíticas, a origem do autismo infantil esta relacionada a experiência traumáticas de separação do corpo da criança, do corpo da mãe, numa idade muito precoce. Para outras, no momento em que o bebê fica privado da presença da mãe, e do seu investimento, fica difícil a constituição de um ego. Para alguns psicanalistas que pensam o autismo infantil, este se daria como uma organização defensiva, contra a invasão ou falha do ambiente para com ele. Poucos, no entanto se detiveram nos estudo da causa dessa aparente insensibilidade a dor física. A neurologia tenta explicar o autismo através de alterações no hemisfério esquerdo, ou tronco cerebral, ou no lobo frontal. É constatada uma pluralidade de regiões anatômicas cerebrais potencialmente implicadas na patogenia do autismo. Até esse momento, no entanto, nenhuma lesão anatômica especifica pode ser identificada, para explicar o autismo infantil. Entretanto considerar um só fator quer seja ele genético, ambiental ou neurofisiológico como uma única causa da ativação do autismo infantil é a nosso ver demasiado restrito e limitante. Podemos concluir dizendo, que a insensibilidade a dor na criança autista demanda um maior aprofundamento teórico-clínico não só pela psicanálise mas também pela neuropsiquiatria.

 

Sonia Caldas Serra
A Dor na criança Autista – Boletim do Circulo Psicanalítico do Rio de Janeiro – CPRJ-  2007  





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