Estudo de brasileiro na Califórnia estaria perto de ‘cura’ para autismo

Condição poderia ser revertida com uso de remédio experimental

Estudo do cientista brasileiro Alysson Muotri na Universidade da Califórnia reverteu em laboratório defeitos genéticos ligados ao autismo com o uso de remédio experimental. Liderado pelo biólogo molecular brasileiro Alysson Muotri, um novo estudo da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos EUA, reforça a tese crescente de que o autismo pode ser reversível e se aproxima de um medicamento para “curar” o transtorno. A pesquisa foi publicada ontem na versão on- line da “Molecular Psychiatry”, da revista “Nature”.Trata- se da apresentação da segunda etapa de um estudo publicado em 2010 e que, na época, ganhou a capa da “Cell”, uma das principais revistas científicas do mundo, ao mostrar que os neurônios eram mais plásticos do que se pensava e que o autismo poderia ser curado. Na ocasião, através da técnica de reprogramação celular, os pesquisadores transformaram células da pele em neurônios de pessoas com síndrome de Rett, um dos tipos graves de autismo e que ocorre por mutações num único gene: o MeCP2.

Dessa forma, poderiam estudar a fundo o comportamento das suas células cerebrais. Depois, aplicaram um medicamento experimental e notaram reversão nos defeitos genéticos.

 
DEFEITOS SÃO REVERSÍVEIS

Neste novo segmento, os cientistas da UCSD focaram o autismo clássico (ou não sindrômico). Ao contrário da síndrome de Rett, o tipo clássico tem vários genes envolvidos, e sua base genética ainda é pouco conhecida. Da mesma forma que no estudo anterior, foram reprogramadas células, mas agora da polpa do dente de leite de pessoas afetadas. Elas foram transformadas em neurônios de um autista clássico. Em seguida, houve o sequenciamento genético do voluntário para mapear seus genes defeituosos.

Várias mutações foram encontradas, entre elas uma que anula uma das cópias do gene TRPC6. Em camundongos, os cientistas confirmaram que essa mutação leva à redução de sinapses e alterações morfológicas nos neurônios. Além disso, observaram que os níveis de MeCP2 (da síndrome de Rett) afetam a expressão de TRPC6, revelando um caminho molecular semelhante nos dois tipos de autismo.

Finalmente, foi aplicado um medicamento que está sendo testado em humanos para tratar a síndrome de Rett (o IGF-1) nos neurônios do autista clássico, e notou-se que o efeito também foi positivo. Isso reforçou a ideia de que é possível reverter os defeitos dos neurônios, ou seja, que o transtorno pode ser curável.

— É possível que, no futuro, essa tecnologia sirva como ferramenta de diagnóstico, determinando a qual tipo de autismo cada pessoa possa estar vulnerável e possíveis terapias e medicamentos que a auxiliem. Quanto antes o diagnóstico no autismo, melhor o tratamento — afirmou Muotri ao GLOBO.

Segundo o pesquisador, a combinação de reprogramação celular e sequenciamento genético abrirá portas da medicina personalizada voltada para diversas condições mentais. No futuro, ele crê que cada autista terá seu genoma sequenciado para o teste de drogas mais adequadas. Esse método já vem sendo bastante empregado no tratamento do câncer, por exemplo.

— Estamos bem no começo (da medicina personalizada) — contou Muotri. — É preciso alinhar o sequenciamento genético, que está mais acessível financeiramente, com a modelagem por células-tronco, algo que ainda é muito caro e impossível de fazer para todo mundo. Assim que essas tecnologias evoluírem e ficarem mais baratas, veremos mais e mais da medicina personalizada.

 
‘MINICÉREBROS’ EM LABORATÓRIO
De acordo com o biólogo, esse será o caminho da ciência no futuro — mas já em alguns anos: — Todos teremos nossos “minicérebros” em laboratório, que serão usados para diagnóstico, teste e dosagem de medicamentos antes de se tentar no paciente.

A partir deste estudo, os pesquisadores da UCSD vão buscar expandir as observações para outros tipos de autismo, tentando entender como diversas mutações convergem para vias moleculares comuns. O objetivo é definir novos medicamentos que possam ser testados em humanos. Sintomas do espectro autista são minimizados com o uso de medicamentos, mas ainda não há uma substância capaz de reverter o transtorno. Segundo Muotri, 55 mil novas drogas serão testadas até o final de 2015.

— Depois entraremos com testes clínicos (em humanos), isso se tudo correr bem e tivermos financiamento, claro — previu Muotri. — Tentamos levar parte disso para o Brasil, buscando deixar o pais mais independente nessa área, mas não houve interesse político. Esperamos que nos EUA as coisas andem mais rápido e que, eventualmente, sejam aplicadas no Brasil também.
 
Fonte: O Globo, 12 de novembro de 2014, FLÁVIA MILHORANCE.

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