Estudo relaciona autismo, transtorno psicótico e hiperatividade à paternidade tardia

Pesquisa feita com milhões de pessoas aponta que mutações genéticas em esperma ‘envelhecido’ podem alterar DNA

 
FREDERICO GOULART 
Pesquisa foi feita com 2,6 milhões de pessoas Stock Photo
KAROLISKA (SUÉCIA) – Tradicionalmente, a ciência sempre jogou no colo das mulheres a culpa por possíveis riscos de uma gestação tardia. Mas, segundo um novo estudo realizado por cientistas da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e do Instituto Karolinska, da Suécia, este jogo virou. Ou, pelo menos, empatou. A pesquisa destaca que uma variedade de distúrbios psiquiátricos em crianças em idade escolar pode estar relacionada ao fato de o pai ter mais de 45 anos. Nessa lista entram transtornos como autismo, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno bipolar, esquizofrenia, pensamentos suicidas e problemas de abuso de determinadas substâncias.

O trabalho analisou dados de 2,6 milhões de pessoas e foi divulgado pela publicação científica JAMA Psiquiatria. Sua conclusão sugeriu que espermas mutantes são os culpados pelos possíveis danos. No entanto, alguns especialistas dizem que os benefícios que os pais mais velhos trazem podem ser capazes de superar os problemas.

Os cientistas concluíram que os espermatozoides são produzidos constantemente ao longo da vida de um homem – ao contrário das mulheres, que já nascem com todos os óvulos que terão ao longo da vida. Com isso, cada nova produção realizada em idade avançada oferece um risco maior de carregar mutações genéticas. À medida que o homem envelhece, ele expõe-se a mais toxinas ambientais que podem levar a mudanças de DNA em seu esperma.

Segundo Alysson Muotri, biólogo molecular e professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, os resultados confirmam que uma grande quantidade de pesquisas recentes tem apontado na mesma direção.
– Temos visto que o risco também aumenta com a idade do pai, pois as mutações se acumulam no genoma de células gaméticas paternas. Especialmente no ambiente de grandes cidades, com todos os fatores ambientais associados a isso, existe uma correlação de gravidez tardia com predisposição a doenças mentais, como síndrome de Down ou autismo – explica.

Transtornos registrados
A pesquisa também analisou as diferenças entre irmãos nascidos do mesmo pai, uma vez que isso conta para as variadas formas de edução oferecidas pelas famílias. Na comparação de filhos de um homem de 45 anos com crianças que nasceram de pais de 24 anos, os dados indicaram que a chance de autismo era três vezes maior no primeiro grupo.

Já o risco de TDAH era 13 vezes maior; e as chances de transtorno bipolar aumentou 25 vezes. Até mesmo as notas escolares eram inferiores entre os filhos de pais mais velhos.

Neste grupo, também dobrou a possibilidade de o herdeiro apresentar algum tipo de transtorno psicótico. Nesta situação, a propensão a comportamento suicida ou a problemas com drogas é 2,5 vezes maior.

Um dos cientistas responsáveis pelo extenso levantamento, Brian D’ Onofrio, disse à BBC News que ficou chocado com os números, que sugeriram riscos bem maiores do que os que eram estimados anteriormente.

– Nosso trabalho se soma a uma grande quantidade de estudos que apontam que as famílias, os médicos e a sociedade devem considerar os prós e os contras de adiar uma gravidez e uma paternidade – ressaltou.

O outro lado
Segundo o membro do Instituto de Psiquiatria de Londres, entretanto, os homens não devem decidir sobre quando devem ter filhos com base em um único estudo – ainda que outros trabalhos tenham apresentado resultados semelhantes. Em entrevista à BBC News, ele ponderou que os danos são baixos e que mesmo uma duplicação ou triplicação do risco ainda afetaria uma pequena proporção de pessoas.

– Além disso, a paternidade tardia ainda pode trazer outros grandes benefícios às crianças, como relacionamentos mais estáveis e maior renda para a criação dos filhos – destacou.

Alysson Muotri concorda que não é preciso alarmismo com o resultado.

– No aspecto pessoal, possivelmente ainda não encontramos um equilíbrio sobre o momento da paternidade. Tudo depende muito da qualidade de vida, de situações ambientais, entre outros fatores. No entanto, em termos populacionais, é preciso ter em mente que a gravidez tardia pode sim ser um problema para a Humanidade, pois aumentam-se as chances de surgirem mais casos de doenças mentais – avaliou.
 
Fonte: Jornal O Globo – Caderno Ciência – 28/02/2014

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