Jornalista conta em documentário como desenhos contribuíram para o desenvolvimento de seu filho
por Mariana Alvim
Segundo relato do pai de Owen, o jovem, hoje com 26 anos, tem feito conexões com personagens coadjuvantes por toda a vida, como Rafiki e o Grilo Falante – Divulgação/Ron Suskind
RIO — Usando um fantoche e imitando a voz de Iago, o papagaio antagonista de Aladdin no filme da Disney, o jornalista americano Ron Suskind pôde finalmente conversar com o filho Owen, então com 6 anos, após cinco anos de quase silêncio e um diagnóstico de autismo. Entoando a voz do personagem, Ron perguntou: “Então, Owen, como vão as coisas?”. O menino desabafou como se falasse com um velho amigo: “Não estou feliz. Não tenho amigos. Não entendo o que as pessoas dizem.”
A progressiva — mas inconstante — integração de Owen ao mundo real com a ajuda do universo da Disney é o enredo não-fictício de “Vida animada”, livro escrito por seu pai e lançado pela editora Objetiva em maio. A história da família de Owen, hoje com 26 anos, com a “participação” de personagens como Mogli, Ariel e Dumbo foi retratada também no filme “Life, Animated”, indicado ao Oscar de melhor documentário neste ano.
Jornalista com passagens pelo “The Wall Street Journal” e um prêmio Pulitzer no currículo, Ron conta como, aos poucos, sua casa foi se tornando uma extensão do mundo da Disney. A cozinha, o quintal e a varanda eram cenário para encenações e diálogos em que Owen repetia falas de cor, fazendo expressões e imitações que impressionavam os pais. A relação com os filmes afetou até mesmo o processo de alfabetização do menino.
“Começamos a conversar com regularidade através de diálogos da Disney. Escolha uma fala e recite para ver no que dá. O tom é tão importante quanto as palavras. Se conseguir canalizar o ritmo da fala, sua cadência e o sotaque, melhor ainda”, diz um trecho do livro.
— Hoje, Owen tem alguns empregos, inclusive em um cinema — escreveu Ron ao GLOBO por e-mail. — Ele ainda assiste [a filmes da Disney] frequentemente e faz isso muito mais vezes do que você pode imaginar. Há algo em torno de cem filmes que deixaram uma marca. Ele curte as mesmas coisas que nós gostamos quando assistimos a um filme, mas, para ele, os filmes são como um abraço apertado de autoafirmação.
Em um dos episódios lembrados no livro, Ron trata de um período na escola em que Owen estava tão envolvido com as histórias da Disney que ficava em sala, sozinho, falando com a voz dos personagens. Uma vez, levou uma bronca por não participar da atividade da turma e ficou cabisbaixo. O pai recorreu então a diálogos simulados entre Artur e Merlin, em “A espada era a lei” — para o jornalista, a orientação afetiva que Merlin oferece a Artur “parece ter saído diretamente de um roteiro para pais”.
Owen Suskind, cuja vida é retratada no livro “Vida Animada”, pinta desenho do Grilo Falante, personagem do “Pinóquio” – Divulgação/Ron Suskind
DIÁLOGO COMPREENSIVO
Com Ron no papel de Merlin e Owen no de Artur, pai e filho conversaram sobre dificuldades e superações. “Owen e eu nunca havíamos tido uma conversa assim. Mas, como Merlin e Artur, temos. É um diálogo compreensivo”, lembra Ron no livro.
Na nota do autor, o jornalista deixa claro que a Walt Disney Company não exerceu influência sobre o conteúdo do livro e “não endossa de maneira nenhuma o uso de seu material para o tratamento de questão alguma relacionada ao autismo”. A observação tem um pano de fundo: o caminho encontrado nos filmes da Disney gerou questionamentos até mesmo na família e, posteriormente, dos médicos.
— Quando estávamos criando o Owen, ouvimos que deveríamos limitar ou redirecionar a paixão dele — lembra o jornalista. — Mas estes filmes têm aplicabilidade na vida real. Eles são histórias com arquétipos relevantes no amor, na perda, e quase tudo no meio deste caminho. Todos nós usamos histórias para fazer nosso caminho no mundo. Owen e outros com autismo fazem isso com mais força.
Com o passar dos anos, Owen se envolveu com outros filmes além do mundo da Disney, como “Space Jam: O jogo do século” e “Em busca do vale encantado”. Na faculdade, criou um cineclube voltado para filmes da Disney, do qual foi presidente, e que tinha a participação de outros jovens com autismo.
No livro, Ron lembra de uma visita feita ao cineclube na companhia da esposa: “Quando pergunto ‘qual é o vilão com quem vocês se identificam quando estão em seus piores dias?’, aprendemos algo novo a respeito de Owen. ‘Hades’, ele diz baixinho. Hades de Hércules? Troco olhares perplexos com Cornelia (a mãe) e pergunto por quê. ‘Ele sempre fica decepcionado por não ser convidado para nenhuma festa. E quer se vingar de Zeus, o responsável por ele ter sido banido do monte Olimpo’, Owen observa”.
Segundo Ron, os maiores aprendizados do filho vieram dos personagens coadjuvantes.
— Como ele sempre diz, “um coadjuvante ajuda o herói a cumprir o seu destino”. Quando Owen pensa em Merlin, Rafiki, o Grilo Falante ou o Rato Timóteo, ele vê neles uma sabedoria que é tudo, menos subordinada — afirma Ron.
https://oglobo.globo.com/sociedade/ligacao-de-menino-autista-com-disney-mudou-curso-do-transtorno-21460669