Daniela kalicheski
Estudo pode ser a chave para laudos mais precisos
A demora para obter um laudo preciso de seu filho, diagnosticado com Transtorno de Espectro Autista (TEA), foi o que motivou Gisele Nascimento, bióloga, pedagoga e socióloga, a direcionar seus estudos para desenvolver métodos que pudessem auxiliar no processo para acelerar o diagnóstico. Ela, que também está no espectro, ingressou então, em fevereiro do ano passado, no doutorado em Ciências e Biotecnologia pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências e Biotecnologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) para aprofundar sua pesquisa. Em setembro, antes mesmo do término do curso, previsto para o fim do ano, a UFF já fez o pedido de patente de uma ferramenta criada por Gisele que pode auxiliar no diagnóstico de TEA em bebês de 5 a 18 meses e cuja utilização é financeiramente viável, o que permitiria sua aplicação em clínicas médicas.
O método é por medição de movimento ocular, já utilizado em pesquisas no exterior e apenas no campo científico, devido ao seu alto custo. O kit criado por Gisele, composto por um software, uma câmera e um tablet ou um computador, teria um perfil mais popular. O estudo foi feito na UFF de forma multidisciplinar com orientadores das áreas de Ciências da Computação, Biologia e Pedagogia. Por meio da câmera (acoplada ao computador que contém o software) é feita uma análise na medição do movimento ocular no bebê, que pode detectar possíveis aspectos que auxiliam na conclusão do laudo de autismo, que é caracterizado por déficit social relacionado à atenção.
A técnica de fazer a avaliação do paciente por meio da análise do globo ocular já existe, porém não era acessível. Estava apenas no âmbito acadêmico e científico e não era possível, até então, aplicá-la no dia a dia, num consultório ou até mesmo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E por muitos fatores, entre eles, porque é caro — explica a orientadora Diana Cavalcanti, professora de Biologia e coordenadora da área de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão.
EM ANÁLISE NO INPI
Em processo de análise para a concessão da patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) — e que ainda deve passar por testes em grande escala —, o kit é visto como um grande avanço para acelerar o laudo de autismo, que ainda não é feito com precisão total, segundo Gisele.
— Esse kit pode mudar a forma de fazer laudos. Atualmente, é muito raro fechar um laudo em um paciente antes dos 2 anos. Os médicos têm muita dificuldade nessa área, porque não existe teste genético nem citológico. Então o exame é clínico, com base em características comportamentais. E muitas vezes não dá para identificar algo cedo. Isso camufla algumas análises — diz Gisele, que também é mestre em Diversidade e Inclusão pela UFF e desenvolveu um método para alfabetização de autistas. — Descobrir o autismo precocemente possibilita intervenções clínico pedagógicas, proporcionando melhores resultados à criança na primeira infância. Os pais podem se organizar, buscar informações e assim direcionar intervenções ao filho.
Um método semelhante ao utilizado por Gisele é o Eye Tracking, que consiste na detecção do transtorno através das reações dos olhos do bebê após ser exposto a imagens de rostos, inclusive o materno. A partir dessas respostas, é possível se aproximar da hipótese do autismo ou descartá-la. A técnica foi desenvolvida por uma equipe comandada pelo psicólogo curitibano Ami Klin e está em fase de avaliação no Marcus Autism Center em parceria com a Emory University, em Atlanta, nos Estados Unidos. Essa fase de testes é necessária porque o método precisa ser avaliado em grande escala, como explica Alysson Renato Muotri, professor de Medicina da Universidade da Califórnia que estuda o TEA desde 2002:
O método (de Ami Klin) existe apenas no âmbito acadêmico porque é algo que ainda não conta com grande poder estatístico para que sua eficiência seja constatada. Ou seja, é preciso ser testado em milhares de pacientes bebês e, anos depois, eles precisam ser reavaliados para que a eficiência seja comprovada. A demora se dá, também, pelo alto custo do método, que requer uma certa tecnologia.
Informado pelo GLOBO-Niterói sobre o kit de Gisele, Muotri o avalia com grande potencial:
— Se for barato e viável, sem uso de material muito sofisticado, será possível aplicar de uma forma mais rápida e mais fácil num grande número de pessoas. Sempre é algo que demanda anos de análises e comparação de resultados para que, de fato, seja constatado eficiente. Mas o fato de poder ser utilizado pelo SUS é ótimo.
A investigação de autismo em bebês passou a ser obrigatória no país. Em setembro do ano passado foi sancionada a lei nº 13.438/2017, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente e obriga o SUS a adotar protocolos padronizados para a avaliação de riscos em bebês. Essa lei estabelece que crianças de até 18 meses tenham acompanhamento médico baseado em protocolo ou outro instrumento de detecção de risco no desenvolvimento psíquico.
Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/bairros/uff-pede-patente-de-metodo-que-auxilia-diagnostico-precoce-de-autismo-22756055